Todos, no dia-a-dia, vamos pouco a pouco, sem darmos por isso, cavando a nossa sepultura, às vezes também a de mais alguém ...
Quando se é poeta da tristeza, da angústia, da amargura, do desespero, do sofrer em geral, isto é, quando se tem alma bastante sensível para tais estados interiores, mais depressa se vai cavando em geral a respectiva sepultura.
A sepultura vai-se cavando enquanto se vive, até que por fim, ao fechar-se de todo a porta da vida, se fecha também a sepultura, irreversivelmente.
E, ao caminhar-se para lá, o que entristece, angustia, desespera, atemoriza até, é não se saber o que está para lá deste mar da vida, em que nos vamos afogando, sepultando ...
Resta poder ter-se aquele vapor de esperança, a que se chama fé, de haver lá algo que nos compense, ou recompense, do sofrer por cá, absolvendo os merecedores e condenando os imerecedores.
Cavo
a minha sepultura
Cavo da alma e corpo a terra, dura,
pensamento por enxada, escura,
tristeza a semear, como cultura,
sem choro a regar, já seco em fundura,
e o fruto, a sazonar em negrura,
é sem sumo e só sabe a amargura,
e tanto que em mim tal sabor perdura,
qual infinda desértica lonjura,
e se amargo é meu viver e sem cura,
perpétua prisão que, subtil, tortura,
ando a cavar a minha sepultura,
ante o Demo, negra e córnea figura,
ou a Morte, de negra vestidura.
Valha-me Deus, que aos fracos não descura.
(Poema meu.)
Mírtilo