Umas pessoas dizem, algo tristemente, que a vida é difícil de compreender, outras dizem, com alguma esperança, que tem altos e baixos, ou, inversamente, baixos e altos, outras dizem, desesperadamente, que não vale a pena viver, outras, ainda, são de opinião de que a vida é bela, simplesmente, superficialmente, ou descontraidamente, e acrescentando algumas dessas que nós é que damos cabo dela, outras, com humor e indiferença, afirmam que o que é preciso é acordar vivo...
Seja como for, a vida é realmente algo difícil de compreender, de normalizar, de modelar, porque há uma vida em nós, a nossa, que já nos é difícil de trabalhar bem, com tudo o que isso implica, e há também a vida da sociedade, feita pelo conjunto das nossas vidas, que são diversas, e à qual temos de estar ligados e dar o nosso contributo, social, cultural, económico, político, etc., ou pelo menos, que em geral é o mais, suportar a acção dos que nisso se impõem, que depois se tornam, ou podem tornar, os grandes, os influentes, os líderes, que podem dirigir ou governar a máquina da sociedade no sentido que acharem mais ou menos melhor para todos, o que raramente acontece, ou no que preferirem para si próprios, para os seus interesses pessoais, ou de grupo, ou de ideologia (partido).
As sociedades modernas, economicamente a viver num esquema de economia neoliberal, com total liberdade de mercados e encolhendo os custos de produção, sobretudo em pessoal, com o próprio Estado, pelo Governo, a ser também economicamente tenso e a encostar-se ao neoliberalismo, são problemáticas em matéria de presente e também de futuro para os seus cidadãos, vendo-se dia a dia mais e mais lacunas, buracos, deficiências, descoordenações, injustiças, acções ilógicas, claro também abusos de poder, irresponsabilidades, fraudes ...
E aos cidadãos, sobretudo aos mais sensíveis ou mais necessitados e com conhecimento destes problemas sócio-políticos, navega-lhes constantemente o espírito em dúvida, descrédito, desespero, angústia ... Mas o que vale a muitos é que num dia estão assim e passado algum tempo, alguns dias, ou um dia apenas, o seu próprio espírito parece que produz ou recebe, às vezes sem se saber bem como ou de quem, mais uma réstia de esperança que os vai acalmar um pouco por mais algum tempo, como se as suas vidas fossem feitas de marés de esperança e desesperança, em qual fluxo e refluxo...
Fluxo e refluxo
No dia em que a vida se torna pesada
derrubam-se moinhos e castelos,
volatiliza-se o cimento que nos associa,
caem mesmo as paredes da nossa igreja,
e ao atravessarmos as ruas da vida
somos células isoladas, semimortas,
como tomos dum corpo que era grande;
falta-nos a vontade de gostar, de irmanar,
caminhamos de expressão firme de indiferente,
sem outro sintoma válido de vida
que a introspecção dolorosa ou inerte.
Há um dia seguinte com novo sol,
uma luz que fulge alegria infanto-adulta,
localizada no candelabro de nossas almas,
inebriando-nos de tal contentamento
que sentimos necessidade de olhar,
de gostar, amar, irmanar de novo,
de erguer moinhos e castelos,
com uma igreja na nossa expressão
— como se a vida fosse uma maré
que flui e reflui ao sabor de estranha força.
(Poema meu.)
Mírtilo