Tudo na vida muda ou evolui, para bem ou para mal, podendo dizer-se que o mundo é composto de mudança, como poetava Camões, e a Humanidade, aparentemente toda-poderosa, é como que arrastada, parecendo impotente, pela imparável ou fatídica corrente de mudança, quer seja mudança superficial ou profunda, ocasional ou rotineira, no campo científico e tecnológico ou no campo dos comportamentos e dos costumes, isto é, da moral tradicional.
A moral tradicional, ou os bons costumes, em que se integravam sobretudo o respeito, a solidariedade, a dignidade, a honestidade, ou honradez, sempre foi, ao longo dos tempos, algo que muito contribuiu para manter os humanos em paz, quer cada pessoa consigo própria, quer na sociedade ou aglomerado social em que se vivia. E se alguém, muito esporadicamente, transgredisse essa moral, sadia, coerente, coesa, ainda que por vezes, por parte de uma ou outra pessoa, algo discutível num ou noutro aspecto, adviria em geral para o esporádico transgressor um sentimento misto de culpa e vergonha que encontraria eco no próprio aglomerado social em que se inseria, como que considerando, além de si e da entidade judicial (se fosse caso para isso), tal aglomerado social também seu juiz.
Hoje, essa moral tradicional, sem a qual a vida em sociedade será um caos, tem sofrido rombos, golpes, digamos que, como tudo, tem sofrido mudanças, não sendo já o que era, já não mantendo tanto os homens em paz, não os fazendo possuir tanto os sentimentos de respeito, dignidade, honradez, etc.
E um dos aspectos tão chocantemente transgredidos, por todo o lado, certamente o mais chocante, é matar alguém, tirar a vida violentamente, de modo selvagem, a um semelhante, com a maior das facilidades, a maior das friezas, aquando de um assalto ou roubo, ou de uma briga, ou por zanga ou desavença, ou por inveja, ou até por um simples ou repetido conflito conjugal, para já não falar das guerras, igualmente condenáveis.
A moral tradicional está, infelizmente, sem sombra de dúvida, em falência, para mal de todos os humanos, sobretudo e mais sensivelmente para quem deseja a paz entre todos os homens.
Homicídio
Dantes, se alguém a outrem tirava a vida,
havia em geral nas pessoas consternação,
sobretudo em quem com o morto tinha relação,
até a sentia e arrependimento o homicida,
pois matar sentia-se trágica acção.
Hoje, assassinar é quase banal investida,
fria, não consternada e não arrependida,
estranhos e amigos menos que dantes sentirão.
Mata-se, assassina-se, quase a toda a hora,
na guerra, rua, casa, campo, em todo o lado,
imagens na televisão, sem esperança de melhora.
E vai-se à força com isso ficando habituado,
e o homicida já de medo ou vergonha não cora
ao ser preso e ir a tribunal ser julgado.
(Poema meu.)
Mírtilo