A poesia sempre me tomou muito, tanto positivamente como negativamente. No aspecto positivo, servindo-me de tão bom alimento para a alma — dando-me então prazer, um prazer que parece não ser deste mundo, ou das pessoas em geral — e permitindo-me conhecê-la melhor, embora sem o conseguir de todo, dados os labirintos e recônditos cantos e recantos que a alma possui ou que parece inventar. No aspecto negativo, trazendo-me tantas vezes, para não dizer quase sempre — devido ao tipo de poesia que fazia, e ainda faço —, além de perda de tempo relativamente aos aspectos materialistas das vidas de todos nós, trazendo-me, dizia, tristeza, angústia, desespero, revolta, desistência, dor, doença, poderei até dizer morte ... , e acrescentar, a este respeito de morte, como nota do máximo de intimidade em mim, que, em certo aspecto, morri há muito, ainda muito jovem ... Mas, ainda assim, acho que foi bom, muito bom, ter feito poeticamente o que fiz.
Os meus poemas são geralmente extensos e dramáticos, por vezes raiando algo de trágico, estando de harmonia com a sensibilidade e a imaginação que me estremecem o âmago e que vão por aí à minha volta, ou mais além, ou por esse mundo ...
Desta feita, porém, postarei aqui um poema que não é extenso.
Dor
Meu corpo tem dores de mártir
e grilhos de escravo eterno,
tem espuma de cavalo fustigado
e sangue de homem decepado;
foi fonte, luz, esperança,
sonho de aldeia e de cidade;
depois foi muralha encolhida
onde chocaram balas de realidade
e correram os prantos quentes
do destroçar das ilusões.
Tenho no sangue o tempo
que o tumultua e enche
de cataratas de desespero,
nos miolos tenho um vulcão
que me quebra a fronte
em cefalalgias de loucura;
com força e ânsia correria
para longe deste fracasso,
ou dormiria até acordar outro,
sem memória ou sem conhecer o mundo.
(Poema meu.)
Mírtilo