O problema da Justiça, que, antes da crise económica e laboral que já tínhamos, com a deslocalização — por vezes ilícita ou fraudulentamente, com prejuízo até para o Estado por tantos benefícios fiscais e outros concedidos — de tantas, tantas, empresas para os países de Leste, com mão-de-obra muitíssimo mais barata, e o consequente crescente desemprego, deixando trabalhadores com salários por receber, o problema da Justiça, dizia eu, já era então grave e muito mais se agravou com a depois sobrevinda crise económico-financeira internacional, portanto também portuguesa, dado o actual contexto de economia global existente por todo o mundo. E nós, os leigos em economia, mas também os doutos na matéria, vimos, surpreendidíssimos, a economia mundial ir-se desmoronando como (e desculpem a imagem comum) um baralho de cartas, ou, menos comum, como uma engenhosa mas fraca construção de pedras de Lego.
O desemprego, que já era tão grande e tão dramático, piorou e dramatizou-se de tal forma que o País (foco, como é lógico, a análise no nosso país, e o que digo não é novidade para ninguém) quase entrou em preâmbulo de colapso, com tantas empresas, sobretudo micro, pequenas e até médias, a falir e a deixar no desemprego ainda muito mais trabalhadores, com mais salários em atraso, que têm de desistir de empréstimos em que estavam comprometidos, sobretudo o do bem tão essencial e constitucional que é a habitação.
A Justiça, que já estava mal, também mais se agravou concomitantemente com o exacerbar da crise económica, isto é, com o mais crescente aumento do desemprego, dando origem a que muita gente, sobretudo jovens e especialmente jovens de difícil inserção social, por terem fracas habilitações escolares e por viverem em bairros problemáticos e também por estarem cansados de procurar e não arranjar trabalho, dando origem a que muita gente, dizia eu, se afunde em desespero de ter pelo menos o pão para sobreviver dia a dia. E daí, sobretudo por parte de muitos dos referidos jovens, o aumento da criminalidade, com o imenso problema que acarreta à máquina da Justiça, isto é, às forças de segurança pública, à Polícia Judiciária, ao Ministério Público, aos tribunais, à Direcção-Geral dos Serviçios Prisionais e ao próprio Estado, mas também e sobretudo aos cidadãos, com especial relevo para os tribunais, que, por terem de julgar, se vêem actualmente sumamente embaraçados de processos a que é impossível dar satisfação em tempo razoável.
Transcrevo a seguir um soneto meu que mais ou menos, dentro das contingências de espaço dum soneto, mostra a actual dificuldade da Justiça, sobretudo por parte dos tribunais.
Tribunais
Cresce a criminalidade cada vez mais,
qual tumor maligno desta civilização,
ou praguedo de incontrolável proporção,
e abarrotam de processos os tribunais
— há muitos crimes novos, mais os tradicionais,
e há processos em exaustiva profusão,
em mesas, armários, secretárias, no chão,
em pilhas que não param de crescer jamais.
Não há juízes, funcionários, instalações,
que consigam tanto processo suportar,
e anos demora o julgamento das acções.
Justiça lenta, adiada, não é de apreciar,
favorece os maus e lesa as justas razões
e vai pelos bons cidadãos descrença semear.
(Poema meu.)
Mírtilo