O homem, pelo progresso, luta cada vez mais contra a Natureza, sobretudo no âmbito da construção civil e obras públicas, tantas vezes revolvendo e destruindo terras agrícultáveis ou de floresta, desagregando ou desfazendo massas de rochas, podendo com isso desequilibrar em algo o ecossistema de uma região ou de um local, ou provocar alguma carência de alimentos ou de matérias-primas vegetais, que depois terão de ser importados, ou podendo causar deslizamentos de terras que poderão ser perigosos sobretudo para vidas humanas, ou morrerem alguns trabalhadores enquanto trabalham, devido às, por vezes, tão deficientes condições de trabalho, tão arriscadas, dando origem a tantos acidentes de trabalho, que põem Portugal a esse respeito, infelizmente, num dos lugares cimeiros na Europa.
O chamado progresso, ainda que útil, muitas vezes assemelha-se a uma entidade contra a qual parece não se poder parar e ter de se lhe dedicar tudo o que seja moderno e considerado necessário e que traga grandes lucros em dinheiro, camuflados de conforto e de postos de trabalho, embora às vezes seja pior a emenda que o soneto.
Enquanto trabalham, os trabalhadores, além de se lhes dever dar todas ou o máximo de condições de segurança, implementadas pelas próprias empresas e fiscalizadas pelas inspecções do trabalho oficiais, devem, eles próprios, desempenhar os seus serviços cumprindo rigorosamente as normas de segurança e, mesmo assim, com o máximo de precaução e atenção.
O pior de tudo é que sempre houve e continua a haver falhas, por vezes graves e trágicas, ao nível das empresas empregadoras, ao nível das inspecções oficiais e ao nível também dos trabalhadores, a que podem juntar-se também, posteriormente, depois dos acidentes, falhas no funcionamento dos hospitais.
Transcrevo, a seguir, um poema que há muitos anos fiz, algo relacionado com o que foi dito atrás.
O homem e a rocha
A rocha espera, espera,
silenciosa,
no seu leito de monstro morto,
embebida em tempo que a não desperta
com carícias de mole cinzel;
mas o homem,
que não se conhece
e se procura
no éter e nos avessos do que pisa,
vai ali
procurar-se:
olha,
pensa
e despreza a vontade do pétreo ser;
empunha sua máquina,
martelo pneumático,
que às vezes lhe trai
a pátria de raciocínio,
e toca de a fazer rugir
como o mais feroz monstro
contra o sono de pedra
velado por milénios.
É monstro
contra monstro,
homem de rocha
e rocha para homem;
ruge o homem na máquna,
a pedra ameaça com chispas;
há desafio,
há luta;
o homem arqueja
e rende-lhe a rocha dois calhaus;
ambos estão exaustos;
armistício.
O contendor humano
muda rios de suor
do cimo da testa
para as costas das mãos
e olha o adversário com ódio,
e a pedra aguarda
toldada pelo seu suor de pó.
Cospe o primata nas mãos,
esfrega uma na outra
e de novo o combate:
luta,
rugidos,
chispas,
teimosia de onagro,
firmeza de rocha,
uivos de dor do ferro,
chispas,
raiva,
e de repente ...
Rasga
as frenéticas entranhas do homem
um berro de dor selvagem,
voam-lhe da máquina as mãos
para arrancar ao olho ferido
a flecha de pedra
que lho cega
e lho queima em vulcão de loucura.
Inútil o seu desespero,
uiva,
esfrega,
chora,
está cego,
louco de dor ...
A ambulância vem buscá-lo,
estridentemente,
e despeja-o no hospital.
E a rocha
esfria e adormece de novo,
como as enormes e plácidas pedras,
no fundo do tempo infinito.
(Poema meu.)
Mírtilo